Renato J. Costa Valladares, Professor e Escritor, é Doutor em Ciências e Mestre em Matemática.
RIO [ ABN NEWS ] — Em minha infância a cidade onde eu morava desde o nascimento era Araruama, RJ. Era um lugar habitado por poucas pessoas que se conheciam umas às outras. Havia um trem a vapor que uma vez por dia levava e trazia de Niterói os moradores da nossa cidade que, vez por outra, precisavam ir à capital do Estado ou a da República que ficava do outro lado da Baia de Guanabara. Neste caso era necessário ir de uma a outra capital na barca da Cantareira ou na frota Carioca. Naquela época a cidade do Rio de Janeiro era a capital do Brasil. Tempos depois houve a fusão do antigo Estado do Rio com a cidade do Rio de Janeiro para onde foi levada a capital do novo Estado do Rio.
Devagar a vida me ensinava e eu aprendia palavras, hábitos e mais uma porção de coisas. Desde cedo aprendi a palavra ‘alqueire’ falada repetidamente por todo mundo. A popularidade quase infinita desta palavra decorria do fato de Araruama ser um município rural e o alqueire ser uma medida largamente usada nos assuntos da terra. Falava-se em alqueire para tudo. O tamanho de um sítio a ser alugado ou vendido; a contratação de um campeiro para fazer serviços da capina em um terreno; a compra de uma quantidade grande de farinha ou a venda de sementes para serem plantadas em algum sítio.
O tempo passava e eu aprendi que havia várias formas de medir. A terra e seus usos eram medidas em áreas. Bois, porcos e outros animais eram medidos pelo peso. Contava-se laranjas, bananas e ovos. Sementes, farinha, leite e querosene eram medidos em volume (capacidade naquele tempo). Aprendi também alguns nomes de medidas. Este foi o caso de metro, litro, galão, dúzia, arrouba e evidentemente alqueire.
Falava-se no alqueire para medir a área de um terreno. Escrituras de imóveis eram lavradas em alqueires como unidade de área e de litros como subunidade. Falava-se também no alqueire, como medida de volume. Sementes para o plantio e farinha em escala comercial eram usuárias desta medida. Na casa de minha avó tinha uma caixa de madeira que era chamada de ‘meio alqueiro’.
Naquela época eu ainda não tinha discernimento para distinguir área de volume, mas o tempo certo não demorou a chegar. Minha mãe e meu pai explicam-me as coisas da Geometria e eu aprendi que a origem do alqueire era o volume. A versão área desta medida é a grandeza de terra necessária para plantar um ‘alqueire volume’ de determinada sementes. É claro que com este trabalho de meus pais a caixa ‘meio alqueire’ de minha avó ficou plenamente explicada.
É interessante observar que a associação entre volume e área, na agricultura é de certa forma semelhante ao ‘ano luz’ usado na Astronomia. Neste caso associa-se tempo e velocidade para obter uma medida de comprimento.
O alqueire é uma antiga medida portuguesa, de volume. Iniciou pequena, ao longo do tempo o tamanho desta medida cresceu e finalmente parou em 80 litros. Esta era a capacidade de dois jacás, uma espécie de cestos de aproximadamente 40 litros que eram pendurados, um em cada lado, nas cangalhas dos burros de carga.
O tamanho dos ‘alqueires área’ variava de lugar para lugar. O alqueire paulista media 24.000 metros quadrados e o mineiro 48 mil. Esta duplicidade de tamanhos tem duas explicações. Uma diz que o alqueire paulista é menor porque o solo de São Paulo é mais fértil que o de Minas. Consequentemente a área necessária para fazer o plantio era menor em São Paulo do que em Minas.
A outra explicação diz que a diferença existe porque em São Paulo usava-se somente um jacá de sementes e em Minas usava-se os dois. Como a metade entre as áreas mineira e paulista coincide com a metade de jacás em São Paulo, esta explicação me parece mais adequada. Se um professor ou um estudante quiser pode fazer um trabalho interessante sobre o assunto.
Não haverá grandes dificuldades para obter as informações necessárias, pois se por um lado o alqueire afastou-se de sítios e fazendas dando lugar ao hectare e outras medidas, por outro lado ele passou a frequentar a internet, onde fica ao alcance de quem quiser.
Voltando à infância não posso deixar de falar sobre as avozinhas que cativavam crianças e adultos oferecendo as melhores guloseimas. Enquanto comíamos elas contavam histórias do seu tempo. Falavam que havia mais respeito e que o namorado só beijava a namorada depois de comer meio alqueire de sal. Neste caso o alqueire media o tempo. Era um tempo meio exagerado, mas não deixava de ser tempo.
O leitor que quiser pode falar com o autor pelo e-mail rjcvalladares@gmail.com
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