Renato J. Costa Valladares [*]
A atual retomada do mensalão lembrou-me uma reportagem ao término da primeira fase deste julgamento, em novembro de 2012. Era um jornal de grande circulação no Rio de Janeiro e cidades próximas. Na 1ª página estava o retrato em bico de pena do Ministro Joaquim Barbosa e, abaixo, estava a seguinte manchete em letras grandes.
O maior golpe na impunidade
O jornal usou duas palavras de conotação negativa, ‘golpe’ e ‘impunidade’, para escrever a manchete. Entretanto não há dúvida que o editor do jornal sabia muito bem que uma infinidade de leitores consideraria a notícia como sendo positiva.
Por outro lado qualquer professor de Matemática percebe que o editor usou, na manchete, um raciocínio similar à regra de sinais “menos por menos dá mais”. Vemos assim que editores de jornal sabem lidar com regra de sinais e, mais que isso, estes profissionais sabem que seus leitores entendem estas regras. Isto nos leva à pergunta abaixo.
Onde estavam os professores de Matemática enquanto futuros editores e leitores de jornal aprendiam regras de sinais?
A única resposta é que estes professores estavam onde sempre estiveram. Na sala de aula ensinando a seus alunos.
Mas nós nunca falamos sobre estas coisas em nossas aulas! Dirão quase todos os professores. É pena, pois há muita afinidade entre a Matemática e a cultura básica das pessoas comuns (eu, você, a vizinha, o entregador, etc.). Assim uma pessoa pode não ter entendido a regra dos sinais quando era estudante. Mas as escolas da vida (dentre elas, as escolas formais) ensinam cada vez mais coisas acerca dos mais variados temas. Aos poucos esta pessoa junta “coisa com coisa” e seus conhecimentos vão crescendo. Em um dia de novembro é possível que ela tenha aberto o jornal, lido a manchete acima e identificado uma boa notícia. Mas mesmo assim, ela continuará dizendo que nunca entendeu Matemática. Como eu disse acima, isto é uma pena.
Como todos sabem a Matemática é ensinada na escola formal de uma maneira específica que desperta a recusa de muitos estudantes. Para superar esta dificuldade vez por outra o professor se refere a quase infinitas aplicações e, não raro, diz o quase bordão “… no futuro vocês verão como a Matemática os ajudará.”. Muitos alunos preferem não esperar o futuro. Ajustam-se às poucas habilidades matemáticas de que dispõem e vão abrido os caminhos da vida que usem pouco esta ciência.
O quadro acima pode ser melhorado. As manchetes como a do início deste artigo não são aplicações inesperadas da Matemática. Este tipo de pensamento é muito mais frequente do que se possa imaginar. Se você prestar atenção verá que, na cultura geral das pessoas comuns, há muitos conhecimentos adaptáveis à Matemática. Além de jornais, eles estão na linguagem corrente, na propaganda, nos esportes, na cidade onde moramos, no dinheiro de cada dia, nas coisas de que gostamos e na vida que levamos.
Se você for um professor de Matemática fale de vez em quando nestas coisas. Antes de um futuro promissor os alunos verão que há um presente interessante. No mínimo este presente levará o estudante a ter um pouco de simpatia por Matemática.
O leitor interessado pode ler mais sobre o assunto no artigo “Matemática Cultural; um método de ensino e aprendizagem”, no Portal Matemática.
[*] Renato J. Costa Valladares, Professor e Escritor, é Doutor em Ciências e Mestre em Matemática.
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