O sofrimento humano continua na Ucrânia, apesar do cessar-fogo

Liuba, 60 anos, com a mãe na região de Kharkiv. As duas fugiram de sua cidade natal no leste da Ucrânia com o marido de Liuba. Ela precisava de cirurgia para uma lesão no olho.

Liuba, 60 anos, com a mãe na região de Kharkiv. As duas fugiram de sua cidade natal no leste da Ucrânia com o marido de Liuba. Ela precisava de cirurgia para uma lesão no olho.

 

KHARKIV, UCRÂNIA [ ABN NEWS ] — Sob a imponente cúpula na estação de trem da era de Stalin em Kharkiv, com suas pinturas de camponeses e trabalhadores triunfantes, dezenas de viajantes exaustos encontram-se esparramados, dormindo em bancos em um canto do corredor.

Eles são pessoas deslocadas internamente (IDP, na sigla em inglês) pelo conflito no leste da Ucrânia. A estação funciona como local para encontrar ajuda. Em uma longa mesa, voluntários, auxiliados por funcionários do ACNUR, estão prontos com conselhos e alimentos.

Liuba precisa urgentemente de ajuda. Seu sofrimento levou-a a lágrimas. Três semanas antes, nos intensos combates em sua cidade de Snizhnye, mísseis caíram sobre seu prédio. Ela foi atingida.

“Virei à direita no momento em que o míssil caiu. A casa começou a desmoronar, janelas estavam caindo sobre nós. Minhas pernas ficaram feridas por estilhaços, e uma onda de choque atingiu meus olhos. Um olho imediatamente ficou cego, e a visão no outro ficou muito embaçada”, disse Liuba ao ACNUR.

Ela e o marido se arrastaram até o porão, mas a mãe de Liuba estava no sexto andar do prédio. “Minha mãe tinha ficado lá sozinha sob os mísseis e balas. Fomos até o sexto andar para leva-la”, explicou ela.

Com quase o último centavo que tinham, os três alugaram um carro e, em seguida, compraram passagens de trem para escapar da zona de conflitos. São agora deslocados, três entre as mais de 300 mil pessoas. Esse é o número oficial, mas funcionários do ACNUR acreditam que o número real é de duas a três vezes maior. Muitos simplesmente encontram abrigo com parentes ou amigos e acabam por não alertar ninguém.

O sofrimento de Liuba não tinha acabado. Durante três dias, em Kharkiv ela pediu uma operação para tentar salvar seu olho. Ela foi finalmente enviada para Odessa, do outro lado do país, onde se realizou a operação. Ela não saberá se ela vai recuperar sua visão por um mês.

Enquanto isso, ela e seu marido Nikolai devem pedir ajuda para pagar o custo da operação – centenas de dólares. Svetlana, um trabalhador do ACNUR no local, acompanha-os ao departamento regional de saúde para que possam se inscrever em um programa de apoio. Mas os funcionários do departamento dizem a ela que não haverá ajuda. Ela deveria ter se registrado antes da operação. Liuba está arrasada. Eles estão em dívida e sem casa para onde possam voltar.

“Eu não sei o que o futuro trará. Até agora eu só fui registrada como deslocada interna. Mas eu não recebi nenhuma ajuda do governo. Nós não sabemos onde viver mais”, disse Liuba.

“Não podemos ir para casa porque os trens não vão mais lá e, se formos, não há gás, as janelas estão quebradas. Então não teríamos qualquer aquecimento. O que vamos fazer neste inverno? É horrível. Nós não sabemos. Nós não dormimos à noite de preocupação”, disse a mulher, abalada.

Segundo o representante do ACNUR na Ucrânia, Oldrich Andrysek, o problema dela é parecido com o de outras pessoas. Centenas de milhares de deslocados internos do leste da Ucrânia, para não mencionar os 17 mil deslocados internos da Criméia que foram expulsas por meses, não são prioridade ou recebem dinheiro por parte do governo, preocupados com a tentativa de recuperar o território perdido.

“O governo da Ucrânia vai fazer o que a comunidade internacional lhe permitir fazer”, diz ele. Mas, com um cessar-fogo, alguns deslocados estão retornando. “Vimos isso em Slaviansk há alguns meses atrás”, diz Andrysek. “Um dia depois que a luta havia parado, as pessoas estavam voltando.”

Na estrada fora de Slaviansk um ônibus local simples para e passageiros descem para esticar as pernas e ir ao banheiro. Eles estão voltando, depois de semanas como deslocados internos, para as cidades de Pervo Mai e Branca na região de Luhansk.

A luta foi amarga e mortal. Mas agora, é relativamente segura, diz Oleg. “Está em silêncio há uma semana e meia. Bem, é claro, está havendo disparos. Mas é tranquilo.” Eles embarcam no ônibus novamente, todos parecem cansados e nenhum com olhar alegre. Um cessar-fogo não é a paz, e seu retorno não é nada senão incerto.

Por Don Murray (Acnur) em Kharkiv, Ucrânia

 

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