Perseguidos arriscando tudo na fuga para a Europa em barco de contrabandistas

Pessoas resgatadas oriundas da Nigéria, Paquistão, Nepal, Etiópia, Sudão e Síria, no convés de um navio da marinha italiana no Mediterrâneo.

Um grupo de pessoas foi resgatado, incluindo nacionais da Nigéria, Paquistão, Nepal, Etiópia, Sudão e Síria, no convés de um navio da marinha italiana, no Mediterrâneo.

PALERMO [ ABN NEWS ] — Mohammed* pôde finalmente respirar, uma vez que conseguiu sair do navio italiano Vega. Na segurança do porão do navio, ele não se sentia mais enjoado por conta da ondulação do mar. Os motores do navio murmuravam. Sua mulher grávida, Iman, dormia em seu colo.

Mohammed arriscou sua vida e a de sua família na viagem para a Europa em um pequeno barco de madeira de contrabandistas. Para muitos, tal travessia é um enterro no mar; nos últimos anos milhares de pessoas têm morrido na tentativa de atravessar o Mediterrâneo – Mohammed e sua família tiveram sorte.

Logo, eles desembarcariam na Sicília. Posteriormente, eles esperavam partir em direção ao norte e se reunir com familiares na Alemanha e na Áustria.

A história começou com um contrabandista. Mohammed encontrou um homem na Líbia, por meio de um amigo, que afirmou poder atravessar o mar com sua família de forma segura. Retornar para a Síria estava fora de cogitação. Mohammed tinha fugido da cidade ocidental de Homs depois de seu negócio e de sua casa serem demolidos por bombas em 2012.

Ele fugiu para o Líbano, então viajou para Líbia via Egito, onde pensou que encontraria a paz. Foi na Líbia que ele viu Iman pela primeira vez. Ela também tinha fugido do conflito, em Damasco, o qual não suportava mais ver.

Mas nos últimos meses na Líbia, sua família tinha sido atormentada pela violência. Eles viam tiros nas ruas de Benghazi. Mohammed tinha sido roubado mais de uma vez. Havia dias em que ele acreditava que o conflito e a violência o perseguiam.

Então, ele vendeu tudo o que tinha para pagar US$ 6.000 pela passagem marítima para sua mulher, para os pais, irmãs e cunhados dela. Eles foram levados em uma van, carregada com 30 pessoas, para um depósito remoto próximo à Trípoli, onde cerca de 300 pessoas estavam esperando para atravessar o mar.

Não tinha como voltar atrás. “Eles diziam que por conta de termos visto seus rostos, eles nos matariam se saíssemos”, disse Mohammed. As pessoas que estavam no depósito eram da África e do sul da Ásia. Havia dois garotos do Nepal, homens de Gana, Níger, Paquistão, Nigéria e Sudão. Parecia, para Mohammed, que o mundo inteiro estava esperando para atravessar o Mediterrâneo.

Os contrabandistas falavam que eles viajariam com um relativo luxo. Iman, grávida de três meses, imaginava um grande barco de madeira com dois pavimentos, uma sala espaçosa e privacidade para mulheres e crianças.

A família esperou por duas semanas. Então, em 11 de março, por volta de meia noite e quinze, os contrabandistas disseram, repentinamente, para os passageiros colocarem suas coisas em sacolas plásticas. Eles foram para a van. Logo estavam na praia, onde embarcaram em um bote cinza de borracha.

A embarcação sumiu na escuridão. Mesmo perto da costa, o mar estava alto o suficiente para as pessoas se sentirem mal. Logo eles chegaram ao barco de madeira. Ele era azul e branco como algo saído de um livro infantil. Os homens sentaram no porão mais baixo, onde o ar era podre de vômito. Os passageiros foram organizados de modo que cada um foi sentado no colo do outro, acondicionados com tanta força que mal conseguiam se mover.

As pessoas que falavam árabe, mulheres e crianças se sentaram no piso superior. Africanos, paquistaneses e outros foram forçados a irem ao porão mais baixo. As crianças choravam. As mães tentavam não sentir enjoos. As ondas batiam em todas as direções. Havia água do mar em todos os lugares e as crianças estavam encharcadas.

As mulheres ouviam os homens tanto em cima, quanto em baixo de seu piso gritarem uns com os outros. “Eu sabia que se os garotos começassem a lutar, o barco viraria e nós estaríamos mortos”, diz Iman, de 23 anos de idade, que recitou o Alcorão repetidas vezes.

Na manhã seguinte, eles podiam escutar o som de um helicóptero ao longe. Pessoas acenaram, mas o helicóptero estava a vários quilômetros de distância. Duas horas depois, pequenas embarcações chegaram com vários homens vestidos de militares a bordo. Eles rodearam o barco e tentaram descobrir como mulheres e crianças estavam sendo transportadas.

Finalmente, às 11 da manhã, quase 12 horas depois terem partido da Líbia, uma embarcação naval chegou ao lado de seu barco. “Eles disseram que queriam levar primeiro as mulheres e as crianças,” contou Iman.

Um garoto de um ano de idade, de cabelo encaracolado, chamado Jowan* foi o primeiro a ser resgatado. Sua mãe, chamada Nisreen*, de 35 anos, já havia vivido na Líbia, mas fugiu para a Síria em 2011 durante o levante que ocorreu no país contra o regime de Muammar Gaddafi.

Mas quando ela retornou à Aleppo, no norte da Síria, ela descobriu que o conflito a seguiu. Então, Nisreen, seu marido e seu filho fugiram para Dara’a, no sul, em seguida atravessaram o Jordão. Posteriormente, eles foram para o Egito e então para Líbia.

“Eu quero estabilidade em minha vida”, diz Nisreen. “Eu quero um lugar onde minhas crianças possam estudar. Talvez depois de todo esse tempo, minha família encontrará o que procuramos, na Europa”.

Por Greg Beals da Acnur, a bordo do Vega, Mar Mediterrâneo.

 

 

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